segunda-feira, 27 de julho de 2020

Desunir o Sporting


Frederico Varandas:

"Quem contesta o trabalho desta direcção ou não percebe nada de futebol ou é intelectualmente desonesto." Setembro de 2019

Sporting 2019/20:

Liga: 4.º lugar com 22 pontos de distância para o 1.º
Taça: Derrota por 2-0 (Alverca, Campeonato de Portugal - Série D)
Supertaça: Derrota por 5-0 (Benfica)
Liga Europa: Eliminado pelo İstanbul Başakşehir (3-1 em casa, 1-4 fora)

Porto: 2 jogos, 2 derrotas
Benfica: 3 jogos, 3 derrotas
Braga: 3 jogos, 2 derrotas
Rio Ave: 3 jogos, 2 derrotas
Famalicão: 2 jogos, 2 derrotas

As palavras do presidente do Sporting, proferidas no início desta longa época desportiva, revelaram um traço que deixou poucas saudades: uma reacção a críticas ao seu trabalho que prefere, em vez da auto-crítica humilde, insultar sócios e adeptos com o direito a exprimir a sua insatisfação quanto ao rumo do clube (tendo ou não razão para tal). Os sócios pagam quotas e gameboxes em condições económicas difíceis e merecem respostas à altura da instituição que o presidente dirige. Frederico Varandas não é a última Coca-Cola do deserto nem é, muito menos, a única pessoa no universo sportinguista com capacidades para gerir os destinos do Sporting de uma maneira que deixe os sócios satisfeitos. A sua posição traz responsabilidade e deveria trazer humildade perante um universo que junta mais de 100 mil sócios e 3 milhões de adeptos e simpatizantes.

A principal contestação ao seu trabalho tinha sido, precisamente, o facto de vencer eleições com um lema ("Unir o Sporting") que pretendia juntar um clube fracturado e de ter decidido ignorar essas intenções às primeiras críticas. Devido ao contexto em que anunciou a candidatura, já tínhamos aqui apontado que teria de escalar uma enorme montanha para conseguir responder à sua primeira missão. Depois da vitória eleitoral, a sua comunicação preferiu falar mais vezes do passado do que aquilo que implementou, estruturalmente, no presente do clube, justificando-se com o estado em que Bruno de Carvalho havia deixado o Sporting, na consequência dos incidentes de Alcochete, para explicar os seus insucessos. No entanto, se Frederico Varandas achava que comparar legados iria fazer unir o clube à volta da sua candidatura, cometeu aí o seu primeiro erro, pois se 71% dos sócios votaram na destituição do anterior presidente, nunca é demais relembrar que 90% da mesma massa associativa votou na mesma pessoa, um ano antes, para lhe entregar um novo mandato após uma extraordinária recuperação financeira, desportiva e patrimonial que enterrou um plano de falência já em curso.

O segundo erro, como também previmos no mesmo texto, seria acreditar que o Sporting precisava apenas de uma mudança de perfis, com a mesma estrutura, para se tornar num clube vitorioso no futebol. Um dos problemas da administração de Bruno de Carvalho foi, precisamente, depender demasiado de um "regime presidencialista": um modelo ultrapassado, no futebol moderno, que torna a gestão de um clube demasiado dependente dos temperamentos de uma pessoa. O Sporting, como qualquer clube com ambições, precisa de uma estrutura alargada e profissional com elementos capacitados para funções de gestão desportiva, algo que não se ganha pela obtenção de créditos por equivalência por se ter atravessado corredores de um clube que nunca teve, precisamente, a estrutura de que precisava. Ao mesmo tempo, Varandas deixou-se rodear de simpatizantes do seu trabalho que se vangloriam, em comunicações públicas, de terem tornado o Sporting num clube mais de acordo com a sua "elevação", algo que apenas reforçou a "luta de classes" e tensões num clube que, fundado com o dinheiro de um visconde e por iniciativa de atletas, se tornou num emblema de popularidade nacional e transversal a todas as classes. Decididamente, os complexos sociais destes adeptos "notáveis" ainda influenciam, e de que maneira, a vida do Sporting, algo que está na base de uma longa guerrilha interna que motiva adversários e que atira o Sporting para a irrelevância.

Em dois anos de mandato, Frederico Varandas trouxe 14 jogadores para a equipa principal: Idrissa Doumbia, Cristian Borja, Tiago Ilori, Luiz Phellype, Valentin Rosier, Rafael Camacho, Eduardo Henrique, Jesé, Bolasie, Luís Neto, Fernando, Luciano Vietto, Gonzalo Plata e Andraz Sporar. Destes, apenas dois (Plata e Sporar) entraram no onze inicial no último jogo do campeonato (Neto substituiu Coates após lesão no aquecimento). Está espalmada, aqui, todo o falhanço de uma gestão desportiva que recorreu ao promissor treinador do Sporting de Braga (o quarto na mesma época), a troco de 10 milhões de euros (!), para tentar ultrapassar esse clube e conseguir uma entrada directa na Liga Europa (não conseguiu). Rúben Amorim, por sua vez, tem feito os possíveis para preparar a próxima temporada. Não tendo qualidade individual para um modelo de jogo interessante mas também exigente, encontrou um contexto indesejado mas "perfeito" para apostar na nova geração a sair de Alcochete: jogadores com talento mas demasiado inexperientes para carregarem todas as nossas esperanças em conseguirmos, na próxima época, algo melhor do que um lugar que desonre o clube.

Saberão Frederico Varandas e Hugo Viana enriquecer o plantel com jogadores que façam a diferença? Braga, Rio Ave, e Famalicão, clubes que contribuíram para o recorde de derrotas do Sporting numa só época (17), já têm prospecções mais eficientes e projectos mais sólidos do que aquele que podemos oferecer (que o diga João Palhinha, jogador que se valorizou muito com os anos passados em Braga). Não bastam bons atletas: são necessários jogadores que o modelo do treinador consiga potenciar. Para já, a presidência de Varandas ainda nem mostrou ter capacidade para responder à primeira dessas exigências, fazendo com que a nossa maior esperança, depois do que mostrou na primeira época planeada por si, recaia em que eventuais candidatos às eleições de 2022 (e um em particular) estudem afincadamente os erros do seu mandato para apresentarem um projecto de profissionalização do clube que esteja à altura do Sporting que todos merecemos.