segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Futebol? Um desastre.

Frederico Varandas foi inteligente em ter sido o primeiro a apresentar a sua candidatura à presidência do Sporting. Mesmo que o momento não tenha sido o mais indicado (e numa altura em que não estavam marcadas eleições), acabou por se assumir como principal alternativa, num clube desgovernado, para um universo sportinguista desesperado por ver alguma estabilidade emocional e directiva à frente dos seus destinos. Fruto da boa imagem que manteve, junto dos adeptos, enquanto director clínico, Varandas apresentou-se, também, como alguém com o conhecimento necessário para dirigir os destinos do clube graças aos vários anos passados na estrutura. Alguém que, segundo a comunicação da sua campanha ("Unir o Sporting"), conhecia todos os defeitos da casa e sabia exactamente o que fazer para remendar um projecto que tinha entrado em auto-destruição.

Antes de ser eleito, apontámos os nossos receios em ver uma proposta de estrutura que se mantinha demasiado centrada nas disposições de uma única pessoa. Se Varandas delega decisões em vários departamentos, o futebol, apesar de assessorado por Hugo Viana, passa apenas por si. Mais ainda, após um contacto directo com candidatos em sessões de esclarecimento, notámos que Varandas apresentava uma enorme convicção quanto ao seu papel no clube mas um conhecimento pouco transversal e detalhado das diferentes complexidades da gestão desportiva (nomeadamente num clube com a dimensão do Sporting).

Hoje, passados quinze meses da sua eleição, esses receios confirmam-se. De um lado, vemos um presidente que demonstra tiques de arrogância, na comunicação, que lembram defeitos do seu antecessor, e uma estratégia que, em vez de unir um universo de sportinguistas dividido por uma destituição e um evento traumático (como ainda se nota, com grande evidência, nas últimas votações em Assembleia Geral), prefere ser o presidente da "maioria silenciosa" contra uma "minoria ruidosa", não lhe interessando, como havia prometido em campanha, unir os sportinguistas independentemente das suas votações (com todas as dificuldades que isso pode trazer -- no entanto, é esse o seu trabalho). A própria questão das claques (que repetiram actos violentos depois de um jogo no Pavilhão João Rocha) parece ainda longe de estar encerrada, não parecendo resolver-se, inabilmente, com seguranças à porta dos estádios a retirar cachecóis e despir roupa, em adeptos sportinguistas, com adereços e símbolos desses grupos.

Se o universo extra-futebol tem trazido troféus e reconhecimento internacional ao clube (na continuidade do trabalho da anterior direcção e com a construção do pavilhão), as decisões da sua responsabilidade quanto ao maior activo do clube (a gestão do plantel principal de futebol) tem sido desastrosa. Em pouco mais de um ano, o Sporting já conta com cinco treinadores diferentes, sendo que a principal escolha de Varandas (descontamos Peseiro e os transitórios Tiago Fernandes e Leonel Pontes) recaiu num treinador holandês que se revelou completamente desajustado às exigências de um futebol português bem mais evoluído, tacticamente, do que aquele que existe na Holanda. Se Marcel Keizer trouxe dois títulos saborosos, lembramos que estes foram ganhos à custa de um futebol pobre e sem identidade, que remetia a iniciativa do jogo para o adversário (independentemente do nome), e da intervenção quase exclusiva do seu melhor jogador. Jogando como equipa pequena, o Sporting, a curto prazo, conquistou dois troféus, perdendo, a médio prazo, toda e qualquer organização táctica (defender com muitos não é defender bem) e motivação para os jogadores acreditarem nas suas capacidades em jogar futebol e impor o seu jogo.

Se Keizer foi "o" treinador de Varandas, o actual plantel também é "dele": uma equipa que, depois de várias janelas de mercado, ganhou várias contratações sem valor para o clube, apenas conta com um avançado de raiz, viu dispensados os maiores talentos da sua formação (Matheus Pereira, Daniel Bragança), e onde se investiu, ao contrário do que fora anunciado em campanha, em empréstimos de jogadores caros, sem historial de compromisso, e sem rendimento. Hoje, o Sporting é uma equipa de remendos onde qualquer treinador (uns, como Silas, com melhores ideias do que outros) se vê atado às suas condicionantes, vendo, a partir do banco, como diferentes sectores não se juntam, não constroem, e não oferecem criatividade, tornando qualquer situação de desvantagem, fruto da ausência de opções, numa batalha psicológica dos jogadores contra os seus próprios defeitos.

O Sporting, hoje, é um clube, uma estrutura e um plantel dividido. Vitor Oliveira, treinador do Gil Vicente, disse, com frontalidade, depois da sua vitória por 3-1, que os incidentes de Alcochete vão fazer com que o Sporting demore alguns anos a ter plantéis com a qualidade dos seus maiores rivais. É verdade. O que os incidentes de Alcochete não podem justificar é a manutenção de um clima de enorme divisão dentro da instituição, sem perspectivas de mudança na comunicação e na sua gestão, e uma incapacidade que se pode tornar crónica, devido às suas decisões no presente, em conseguir vencer equipas que lutam apenas pela permanência na primeira liga. Com 13 pontos de atraso para a liderança a 1 de Dezembro, Frederico Varandas parece estar, afinal, em plena aprendizagem de um papel para o qual dizia estar pronto. Pior do que isso, já não lhe restam muitas cartas para convencer o universo sportinguista, em níveis perto de máximos de descrença, que vai conseguir fazer melhor do que isto. Janeiro será o momento para mostrá-las, caso contrário, já sabemos o que nos espera.