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domingo, 3 de junho de 2018

Crónica de (mais) uma crise anunciada

Já tínhamos referido, neste blogue, que o maior problema do actual presidente do Sporting era a sua gestão de expectativas. O que nunca tínhamos pensado era que chegássemos ao ponto do qual todos temos conhecimento: mensagens públicas, em redes sociais, a criticar jogadores (ao nível de treinador de bancada) e a anunciar a sua suspensão colectiva, mensagens privadas com ameaças e assédio moral, e, por fim, um acontecimento trágico na Academia de Alcochete, com agressões e ameaças de morte, ao qual a sua reacção pública se resumiu a um "foi chato", "o crime faz parte do dia-a-dia" e "amanhã é outro dia". Sejamos racionais: ao ler os detalhes que vieram a público (incluindo aqueles descritos nas cartas de rescisão já entregues), é fácil entender que nenhum destes jogadores sente condições para continuar a jogar no Sporting com uma administração que se recusa a reconhecer um gravíssimo problema de relacionamento profissional (algo que se alastrou, como se viu, a uma parte dos seus adeptos) e que desvaloriza um problema de segurança que compromete a sua integridade física e moral.

Bruno de Carvalho aprecia as guerras e sente-se cómodo em posição de confronto. Hoje, dividiu o clube ao meio e vemos uma boa parte da bancada solidária com os jogadores, reconhecendo o seu profissionalismo, e outra parte que os ataca por não lhes terem dado vitórias apesar dos seus salários milionários, justificando, com isso, as várias conquistas nas modalidades e a dedicação desses atletas ao clube. De um lado, a racionalidade, do outro, uma lógica de "presidente-adepto". Ao contrário do que o próprio referiu em entrevista ao Expresso, o "presidente-adepto", no futebol profissional, não é o futuro. O mundo do futebol, aliás, está cada vez mais longe do mundo dos adeptos, muito por culpa da enorme quantidade de dinheiro que nele circula. E a indústria do futebol português, em particular, encontra-se cada vez mais reduzida a uma "segunda liga europeia": ou seja, onde os futebolistas formados (e outros vindos de outros continentes) vêem as equipas portuguesas como o lugar adequado para crescer e jogar futebol, junto de adeptos que os adoram e num país com qualidade de vida, antes de uma eventual oportunidade numa das maiores ligas europeias com o contrato das suas vidas (Inglaterra, Espanha, Itália ou Alemanha). Esta é a realidade do mundo do futebol, e quem se recusar a gerir activos dentro dessa consciência de forma consciente, inteligente e equilibrada, está condenado ao insucesso. É também essa a razão pela qual não faz sentido comparar o universo do futebol com o de outras modalidades desportivas, pois são realidades financeiras e competitivas totalmente diferentes (onde o chamado "amor à camisola", num mercado bem menos atraente, consegue falar mais alto). 

Não dizemos, com isto, que o Sporting deve desbaratar os seus jogadores como fazia num passado recente, pois deverá sempre defender os seus interesses (algo que este presidente soube felizmente repôr no primeiro mandato). Mas é totalmente descabido insultar jogadores e acusá-los de falta de profissionalismo quando a causa pelo insucesso não passa, de todo, por aqui. Neste ponto, os sportinguistas lembram-se bem do primeiro ano de Jorge Jesus na equipa, o período de melhor futebol do Sporting em largos anos. A quebra da qualidade do jogo da equipa, para além de uma má estratégia administrativa na época subsequente (com contratações que deixaram muito a desejar), deve-se, em grande parte, à mudança de perfil dos jogadores que jogavam dentro de campo. Com a saída de João Mário, Teo Gutiérrez e Slimani, o Sporting perdeu mobilidade posicional e qualidade com bola (incluindo Slimani, que muito evolui com Jesus), trazendo Bas Dost como substituto: um grande goleador mas um jogador que obriga o grupo a jogar de forma totalmente diferente (um jogo mais directo, a servir um típico "jogador-alvo", e que implica menos circulação de bola, menos mobilidade, obrigando maior criatividade, nos jogadores com funções atacantes, para desbloquear uma marcação apertada e a rigidez posicional da equipa). Se a segunda época foi desastrosa, a terceira já conseguiu trazer outras garantias, sobretudo graças à utilização de jogadores com este perfil: Bruno Fernandes, em primeiro lugar, e Daniel Podence, cuja lesão acabou por coincidir com a queda da equipa no campeonato nacional (assim como a contratação falhada de um segundo avançado de características semelhantes ou, pelo menos, com golo). 

Para além disso, e mais ainda do que vermos uma administração a reagir ao insucesso segundo critérios não-racionais (tendo chegando, com as rescisões por justa causa, a gestão danosa), vemos, neste momento, uma direcção que começa a gerir o clube à revelia dos seus estatutos e, por consequência, de um estado democrático, substituindo, por iniciativa própria, outros órgãos sociais, sem qualquer intervenção dos sócios (um acto ilegal, portanto), para responder a iniciativas de destituição que respeitam, por outro lado, aquilo que está determinado nos estatutos do clube. Como já foi referido noutras plataformas, é o mesmo que o governo português substituir tribunais ou deputados por instâncias e pessoas da sua preferência para levar a cabo a sua agenda, sem interferências nem questionamento de acordo com aquilo que a lei determina e contrariando, assim, o princípio sagrado da separação de poderes. Se a perspectiva do Sporting ficar sem plantel de futebol profissional já era suficientemente grave (depois de ter visto chegar uma rescisão, por justa causa, da sua maior lenda actual), a realidade mostra-nos ainda que a actual direcção do clube está a tomar conta do Sporting de forma anti-democrática e contra os poderes dos sócios. Se os sportinguistas não tomarem conta do clube, não haverá razões para se continuar a gostar deste desporto que tanto amamos. E esse é o derradeiro limite da nossa paixão.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Balanço da época 2016/17

A figura: Bas Dost. O holandês não precisou de adaptação para fazer aquilo para o qual foi contratado: marcar golos (e foram 34 no campeonato). Se a equipa se adaptou a ele, já é outra questão. Raras são as que perdem um campeonato com um melhor marcador deste nível (segundo a ajuda preciosa de Rui Miguel Tovar, umas quatro). Este é o tipo de contratação de que o Sporting precisa para enriquecer a sua base: jogadores de qualidade indiscutível e cujo mercado raramente deixa escapar por menos de 8-10 milhões. Faltam três ou quatro (laterais, central, meio-campo).

A confirmação: Gelson Martins. À semelhança de Bas Dost, Gelson exibiu-se a um nível técnico estrondoso. A manter esta evolução, seguramente estará no topo do mundo quando atingir a maturidade necessária no momento da decisão e na participação do jogo colectivo (onde já se mostrou mais objectivo do que no ano anterior). A sua exibição no Santiago Bernabéu lembrou a exibição de Cristiano Ronaldo no jogo inaugural do novo Estádio de Alvalade, em 2003, contra o Manchester United. Gelson será certamente aliciado para outros vôos, mas o clube já tem as suas pérolas protegidas por cláusulas de grande valor (outros tempos).

A esperança: Daniel Podence. Muita qualidade técnica no último passe, no remate, na ruptura de linhas e no envolvimento no jogo colectivo. Um jogador ainda jovem mas que traz algo que muito faltou ao Sporting nesta época: o risco, a procura da baliza, uma bola entregue em condições a quem finaliza. Jesus irá provavelmente voltar a apostar em Alan Ruiz no próximo ano (um jogador talentoso e com futuro), mas é o miúdo que nos faz levar ao estádio para vê-lo jogar, surpreender-nos e sentir o clube.

A desilusão: Por onde começar? Direcção e treinador partilham responsabilidades. No entanto, Jesus pecou nos jogadores pedidos, na gestão da equipa entre jogos domésticos e europeus, nas declarações a chamar valor a si quando a equipa brilhava. Bruno de Carvalho pecou por entregar carta branca ao treinador, crendo que este lhe daria, sozinho (e já), um sucesso tão esperado. Ambos terão de aprender com os erros e olhar para as suas decisões técnicas e para a sua estrutura competitiva (um com mais experiência, outro menos). A chave do sucesso do Sporting, no próximo ano, começa aí.

Positivo: Os sportinguistas. Sempre presentes em todos os momentos: em todos os jogos, em qualquer dia e em qualquer hora, na adesão às eleições, no entusiasmo com o talento que vêem à sua frente, apesar da falta de sucesso. Não há adeptos como estes -- adeptos que fazem um clube crescer desta maneira perante tantas desilusões no currículo. Por fim, a cantera. Os miúdos levantaram o clube na segunda volta e trouxeram alguma estabilidade ao "caos organizado" em que se tinha tornado o balneário.

Negativo: Uma pré-época desastrosa que foi apenas um anúncio para o que vinha mais tarde. O despesismo, na hora de contratar, em valores pouco seguros (o meio-campo), e a ausência de reforços em sectores importantes (as laterais). A transição entre o jogo colectivo do ano anterior e as suas mudanças para este ano (sobretudo com a saída de João Mário). As poucas oportunidades e o discurso hesitante perante o talento da casa. Começamos do zero na próxima época. Tudo pode acontecer até Agosto: assim é o futebol nos dias de hoje. Cá estaremos para outra volta. 

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A comunicação do presidente e a divisão dos sportinguistas

Poderei estar errado por não acompanhar a actualidade futebolística internacional de maneira profissional, mas não conheço nenhum presidente, de nenhum outro grande clube de futebol, que tenha usado uma conta pessoal do facebook para falar regularmente sobre a actualidade profissional. Hoje em dia, os grandes clubes de futebol exigem estruturas de nível empresarial. Ou seja, nos momentos em que se sente ser necessário falar com os adeptos, o discurso que se quer transmitir merece discussão prévia, no seio da estrutura e do departamento de comunicação, e passa, na maioria das vezes, por alguém desse departamento ou por um profissional cujas competências estão directamente associadas ao assunto em questão. O presidente de um clube, assim, comunica em ocasiões cirúrgicas (o que não significa que não comunica ou que não tenha poder de decisão sobre elas) por várias razões: por existir uma estrutura de competências delegadas, por conseguir proteger-se da exploração sensacionalista de uma parte da imprensa ou de agentes mal-intencionados, e de forma a não retirar poder e importância às suas palavras nos momentos em que estas lhe são verdadeiramente exigidas.

A criação da conta de facebook do presidente justificar-se-ia, ainda assim, se a sua utilização obedecesse também a essa ordem e critérios, tal como sucede, por exemplo, com figuras políticas que também passam por processos eleitorais e que se candidatam a lugares de governação. No entanto, se a criação dessa conta respondia a um desejo de transparência e de contacto directo, com a massa associativa e os adeptos, depois de vários anos em que o clube os tinha arredado do seu rumo e das suas decisões (ou, pelo menos, depois de vender-lhe um futuro cujo final se revelou trágico), as comunicações acabaram, como o próprio presidente admitiu na sua última mensagem, por ter um efeito "perverso", provocando mais divisões do que propriamente incentivar a união do universo sportinguista.

Nada consegue dividir mais um clube do que a ausência de vitórias. Nada. Assim se explica a história do Sporting nos últimos anos e os impulsos de auto-destruição ou a gestão de rivalidades que existiu dentro dele (e que os rivais desportivos sempre agradeceram e exploraram na sua comunicação). Assim se explica, também, o vector que se escondia por trás da maioria das comunicações do presidente que, querendo demonstrar que a exigência do Sporting não admite resultados como os dois últimos, e reagindo a eles pela sua intolerância às derrotas (e que são - ou deveriam ter sido sempre - intoleráveis num clube desta grandeza), não soube comunicá-las de maneira a fazer o que lhe era exigido: tranquilizar e unir o clube num momento de derrota. Pelo contrário, a comunicação, em tom acusatório, aponta o dedo directamente aos seus atletas de maneira deselegante (evocando o facto de terem "ordenados em dia") e, talvez pior ainda, critica os adeptos que os aplaudem e lamenta o facto de não ter conseguido tornar as suas mentalidades mais exigentes nestes últimos anos. No mesmo texto, Bruno de Carvalho apela aos mesmos adeptos a virem em massa ao último jogo do ano, apenas uma das várias contradições que o seu texto apresenta enquanto objecto de comunicação.

É sua obrigação, enquanto presidente, estar insatisfeito com os resultados negativos do clube, mas é também a sua obrigação saber comunicar a sua insatisfação aos adeptos e aos atletas. E enquanto adeptos, sentimo-nos atingidos, mais do que confusos, por vermos um presidente culpar-nos, em parte, pela ausência de vitórias do clube ou por uma atitude conformista na nossa militância (se não era essa a intenção, pareceu). Talvez seja este o maior erro de comunicação do presidente: criticar uma massa adepta que cresceu em números, grandeza, e paixão em quinze anos sem qualquer título de campeão, provavelmente um caso único no mundo desportivo (e que, romanticamente, faz uma coisa muito especial isto de ser sportinguista), sem esquecer as contribuições financeiras essenciais que permitiram, também, a recuperação económica e a construção de infraestruturas dentro do clube. Se existe massa adepta cuja militância deve ser tratada com pinças, essa é, sem dúvida nenhuma, a do Sporting Clube de Portugal. E se a mentalidade dos adeptos, fruto de demasiados anos com poucos títulos, recai facilmente para a divisão (como comprova o burburinho absurdo à volta da mudança de data de uma gala, um acto normal em qualquer clube do mundo, seja qual for a razão), é obrigação do presidente saber remar contra ela e não criar mais motivos para incentivá-la.

A publicação do presidente no facebook tem a virtude de ser a última, o que nos pode fazer pensar que a estratégia de comunicação do clube já está a ser repensada. No entanto, esse mesmo texto termina com o desabafo que tal decisão foi tomada de maneira a que possa, a partir de agora, trabalhar sozinho, sem críticas (a seu ver) infundadas, de maneira a que o clube consiga cumprir os seus objectivos. Esquece-se o presidente que nenhum líder conseguiu reunir tropas à sua volta (por mais do que uma batalha) a partir do momento em que se fecha sozinho na sua visão para um objectivo (de um clube, de um país, ou de qualquer ideia colectiva que exija uma concretização prática e colectiva), afastando-se daqueles que, apesar de terem ideias diferentes, serão sempre úteis para a sua concretização (e que não sejam, como se diz em política, meros yes men). Sem percebê-lo, Bruno de Carvalho fez aquilo que a comunicação do clube mais precisava, ao encerrar uma conta institucional que era usada em termos pessoais, mais caiu no mesmo erro do sportinguismo dos últimos anos e contra o qual ele próprio quis combater: a separação entre os demais em vez da união de quem vive o clube.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

A(s) época(s) seguinte(s)

Pela primeira vez desde que o clube elegeu Bruno de Carvalho a presidente, os adeptos sentem a enorme frustração de uma época perdida em que não se conquistou nenhum título. Se essa frustração acaba por ser, por um lado, muito bem-vinda, pois tal sentimento era, em anos muitos recentes ainda, um conformado encolher de ombros, os sportinguistas sentem que o clube parece, de novo, de rumo indefinido, correndo o perigo de se encerrar em mais um longo ciclo sem glória. Na verdade, a transição desta época para a seguinte bem pode ser o momento mais importante dos próximos quatro anos da vida do clube. 

Bruno de Carvalho ficará como um dos presidentes mais importantes na história do Sporting pelo "simples" facto de ter evitado a sua falência e devolvido, em tempo recorde, os níveis de competitividade que lhe eram exigidos (e depois de uma época em que se chegou a temer a descida de divisão). Por outro lado, se a sua enorme força de vencer, e depressa, funcionou como um impulso tremendo para recuperar uma auto-estima que andava pelas ruas da amargura, algo que levaria o Sporting a cumprir feitos internos tremendos (a entrada no top 5 do ranking mundial de sócios, tendo já ultrapassado os 150 mil, lotações perto de esgotadas em todos os jogos, ou a construção de um pavilhão para as modalidades e responder, assim, ao seu espírito de formação desportiva nacional), essa mesma rapidez, hoje, acaba por ter um efeito perverso nas esperanças dos adeptos face à realidade em que o clube ainda se encontra. Não queremos dizer, com isto, que o Sporting deve pôr de lado o seu desejo de vencer (os clubes grandes não vivem assim). Mas se antes se viu uma enorme recuperação, hoje, já sofremos com a desvirtuação daquela que é uma das principais questões de toda e qualquer liderança política ou desportiva e da sua relação com quem a apoia: a gestão das expectativas. E perante a evidência do falhanço estratégico da época que agora termina, os sportinguistas sentem que foram iludidos perante aquilo que viveram na época passada.  

1.

Nunca ninguém poderá criticar a aposta desportiva em Jorge Jesus e o sentido de oportunidade que o presidente revelou em contratá-lo. Mas tornou-se evidente que a pressa de vencer (e que quase nos deu um título no primeiro ano do treinador), já nos mostra, num prazo temporal mais alargado, as carências estruturais de um clube que deseja manter uma regularidade de vitórias. Curiosamente, carências que também impediram o Sporting (na altura, talvez mais graves ainda) de manter uma regularidade de campeonatos depois de conquistar, no início do milénio, dois em três anos, algo que veio de um momentum anual e não de uma estratégia a médio-longo prazo. Hoje, numa altura em que o futebol está cada vez mais profissionalizado (e em que o sucesso desportivo passa, também, por uma cultura de comunicação, de prospecção, de marcas e de gestão), será necessário ao presidente rodear-se de pessoas cada vez mais profissionais, perspicazes, e exigentes para tomar decisões cada vez menos isoladamente. E se muito se discutiu, no momento da contratação de Jorge Jesus, se o sucesso do Sport Lisboa e Benfica se devia, em primeiro lugar, ao treinador ou à estrutura profissional que o rodeava, hoje já sabemos a resposta: nenhum dos dois venceria sozinho, mas era esta última que dava todas as condições, ao primeiro, para conseguir vencer com regularidade, algo que ainda está por provar na experiência e nas condições actuais do Sporting.

2.

Se as grandes decisões do clube, na transição para a época seguinte, terão de recair a nível da estrutura, é necessária uma comunicação, em todos os departamentos do clube, que se baseie exclusivamente numa cultura e identidade sportinguista sem dependências e colagens a outros. Uma das grandes razões para o insucesso do Sporting nas últimas décadas deve-se, também, à resposta que o clube deu ao sucesso que outros tinham. Ou seja, decisões desportivas e estruturais que vieram em resposta a decisões dos rivais e não na sequência de uma crítica interna, e permanente, ao sucesso interno do Sporting (ou à falta dele). O sucesso de um clube passa, em primeiro lugar, por olhar para dentro e ver aquilo que tem de mais fraco e aquilo que tem de mais forte. Só assim poderá resolver com eficiência, estrutura, e regularidade o que tem de pior para apostar naquilo que tem de melhor (e assim crescer). E perante o sucesso do seu maior rival, o Sporting já não pode responder como fez nas últimas décadas: com um pânico estrutural, e uma obsessão pelos outros, que leve o clube repetidamente ao conflito interno ou à beira da auto-destruição.

3.

Por fim, se a análise da direcção quanto ao desenvolvimento técnico da equipa, nas mãos de Jorge Jesus, terá também de passar por questões estruturais (construindo uma equipa e uma cultura de comunicação que favoreça o seu sucesso), o Sporting terá também de apostar na vantagem que tem em relação a todos os seus adversários: a formação de jogadores. A (talvez) última frustração dos sportinguistas prende-se, precisamente, com este último ponto: não só a mais-valia técnica do seu treinador não se fez sentir este ano, mas as suas decisões técnicas, do início até ao fim da temporada, vão contra a grande vantagem e matriz do clube. Se Jorge Jesus lançou Gelson Martins e Rúben Semedo (nenhum treinador no mundo não apostaria, em todos os jogos, no primeiro a titular), vimos o clube lançar inúmeros e careiros falhanços, sem influência no futuro do clube a não ser o prejuízo financeiro, em vez de jogadores como Daniel Podence (que joga a titular em caso de lesão), Francisco Geraldes, Matheus Pereira, Iuri Medeiros, Ryan Gauld ou Ricardo Esgaio. Apesar da ausência de títulos, o Sporting foi sempre o principal formador de talento do futebol português e o grande responsável pela formação da selecção nacional que conseguiu o primeiro título, a nível sénior, na sua história. Esse sucesso desportivo e humano passa por formar, e para formar talento, é preciso que ele jogue (com todas as suas imperfeições). Se, com o campeonato já resolvido, e com vários jogadores sem motivação (outro motivo de discussão), o treinador acredita que este ainda não é o momento para lhes dar espaço, resta saber quando e se esse quando passará pelo Sporting (ou pela selecção nacional). 

4.

A nova época, com ou sem Jorge Jesus (o Verão futebolístico é longo e dado a paixões da estação), irá começar, mais uma vez, de maneira ingrata para o clube. A tremenda alegria de vencer o Campeonato da Europa trouxe fadiga e férias atrasadas aos principais jogadores do clube e ao nosso meio-campo (o principal motor do jogo). Com uma (seguramente muito difícil) pré-eliminatória da Champions a antecipar a época desportiva e uma Taça das Confederações, com a selecção, a acontecer pelo meio, o Sporting arrisca-se a mais um início de época atribulado e a uma afinação atrasada das várias peças do seu jogo. O clube e a estrutura, mais uma vez, deverão estar à altura de uma gestão exigida a uma equipa grande. E colocar o pé no acelerador sem ter todas as peças afinadas poderá provocar novos acidentes de percurso. Resta saber se os sportinguistas terão paciência para sofrer outras voltas de avanço e, também, para entender as suas razões, pois nem sempre a direcção tem sabido transmiti-lo ou apostar nesse discurso. Uma coisa é certa: lá estaremos para a viagem, e para apoiar o Sporting, com lealdade, visão e inteligência.