sexta-feira, 19 de maio de 2017

A comunicação do presidente e a divisão dos sportinguistas

Poderei estar errado por não acompanhar a actualidade futebolística internacional de maneira profissional, mas não conheço nenhum presidente, de nenhum outro grande clube de futebol, que tenha usado uma conta pessoal do facebook para falar regularmente sobre a actualidade profissional. Hoje em dia, os grandes clubes de futebol exigem estruturas de nível empresarial. Ou seja, nos momentos em que se sente ser necessário falar com os adeptos, o discurso que se quer transmitir merece discussão prévia, no seio da estrutura e do departamento de comunicação, e passa, na maioria das vezes, por alguém desse departamento ou por um profissional cujas competências estão directamente associadas ao assunto em questão. O presidente de um clube, assim, comunica em ocasiões cirúrgicas (o que não significa que não comunica ou que não tenha poder de decisão sobre elas) por várias razões: por existir uma estrutura de competências delegadas, por conseguir proteger-se da exploração sensacionalista de uma parte da imprensa ou de agentes mal-intencionados, e de forma a não retirar poder e importância às suas palavras nos momentos em que estas lhe são verdadeiramente exigidas.

A criação da conta de facebook do presidente justificar-se-ia, ainda assim, se a sua utilização obedecesse também a essa ordem e critérios, tal como sucede, por exemplo, com figuras políticas que também passam por processos eleitorais e que se candidatam a lugares de governação. No entanto, se a criação dessa conta respondia a um desejo de transparência e de contacto directo, com a massa associativa e os adeptos, depois de vários anos em que o clube os tinha arredado do seu rumo e das suas decisões (ou, pelo menos, depois de vender-lhe um futuro cujo final se revelou trágico), as comunicações acabaram, como o próprio presidente admitiu na sua última mensagem, por ter um efeito "perverso", provocando mais divisões do que propriamente incentivar a união do universo sportinguista.

Nada consegue dividir mais um clube do que a ausência de vitórias. Nada. Assim se explica a história do Sporting nos últimos anos e os impulsos de auto-destruição ou a gestão de rivalidades que existiu dentro dele (e que os rivais desportivos sempre agradeceram e exploraram na sua comunicação). Assim se explica, também, o vector que se escondia por trás da maioria das comunicações do presidente que, querendo demonstrar que a exigência do Sporting não admite resultados como os dois últimos, e reagindo a eles pela sua intolerância às derrotas (e que são - ou deveriam ter sido sempre - intoleráveis num clube desta grandeza), não soube comunicá-las de maneira a fazer o que lhe era exigido: tranquilizar e unir o clube num momento de derrota. Pelo contrário, a comunicação, em tom acusatório, aponta o dedo directamente aos seus atletas de maneira deselegante (evocando o facto de terem "ordenados em dia") e, talvez pior ainda, critica os adeptos que os aplaudem e lamenta o facto de não ter conseguido tornar as suas mentalidades mais exigentes nestes últimos anos. No mesmo texto, Bruno de Carvalho apela aos mesmos adeptos a virem em massa ao último jogo do ano, apenas uma das várias contradições que o seu texto apresenta enquanto objecto de comunicação.

É sua obrigação, enquanto presidente, estar insatisfeito com os resultados negativos do clube, mas é também a sua obrigação saber comunicar a sua insatisfação aos adeptos e aos atletas. E enquanto adeptos, sentimo-nos atingidos, mais do que confusos, por vermos um presidente culpar-nos, em parte, pela ausência de vitórias do clube ou por uma atitude conformista na nossa militância (se não era essa a intenção, pareceu). Talvez seja este o maior erro de comunicação do presidente: criticar uma massa adepta que cresceu em números, grandeza, e paixão em quinze anos sem qualquer título de campeão, provavelmente um caso único no mundo desportivo (e que, romanticamente, faz uma coisa muito especial isto de ser sportinguista), sem esquecer as contribuições financeiras essenciais que permitiram, também, a recuperação económica e a construção de infraestruturas dentro do clube. Se existe massa adepta cuja militância deve ser tratada com pinças, essa é, sem dúvida nenhuma, a do Sporting Clube de Portugal. E se a mentalidade dos adeptos, fruto de demasiados anos com poucos títulos, recai facilmente para a divisão (como comprova o burburinho absurdo à volta da mudança de data de uma gala, um acto normal em qualquer clube do mundo, seja qual for a razão), é obrigação do presidente saber remar contra ela e não criar mais motivos para incentivá-la.

A publicação do presidente no facebook tem a virtude de ser a última, o que nos pode fazer pensar que a estratégia de comunicação do clube já está a ser repensada. No entanto, esse mesmo texto termina com o desabafo que tal decisão foi tomada de maneira a que possa, a partir de agora, trabalhar sozinho, sem críticas (a seu ver) infundadas, de maneira a que o clube consiga cumprir os seus objectivos. Esquece-se o presidente que nenhum líder conseguiu reunir tropas à sua volta (por mais do que uma batalha) a partir do momento em que se fecha sozinho na sua visão para um objectivo (de um clube, de um país, ou de qualquer ideia colectiva que exija uma concretização prática e colectiva), afastando-se daqueles que, apesar de terem ideias diferentes, serão sempre úteis para a sua concretização (e que não sejam, como se diz em política, meros yes men). Sem percebê-lo, Bruno de Carvalho fez aquilo que a comunicação do clube mais precisava, ao encerrar uma conta institucional que era usada em termos pessoais, mais caiu no mesmo erro do sportinguismo dos últimos anos e contra o qual ele próprio quis combater: a separação entre os demais em vez da união de quem vive o clube.