Pela primeira vez desde que o clube elegeu Bruno de Carvalho a presidente, os adeptos sentem a enorme frustração de uma época perdida em que não se conquistou nenhum título. Se essa frustração acaba por ser, por um lado, muito bem-vinda, pois tal sentimento era, em anos muitos recentes ainda, um conformado encolher de ombros, os sportinguistas sentem que o clube parece, de novo, de rumo indefinido, correndo o perigo de se encerrar em mais um longo ciclo sem glória. Na verdade, a transição desta época para a seguinte bem pode ser o momento mais importante dos próximos quatro anos da vida do clube.
Bruno de Carvalho ficará como um dos presidentes mais importantes na história do Sporting pelo "simples" facto de ter evitado a sua falência e devolvido, em tempo recorde, os níveis de competitividade que lhe eram exigidos (e depois de uma época em que se chegou a temer a descida de divisão). Por outro lado, se a sua enorme força de vencer, e depressa, funcionou como um impulso tremendo para recuperar uma auto-estima que andava pelas ruas da amargura, algo que levaria o Sporting a cumprir feitos internos tremendos (a entrada no top 5 do ranking mundial de sócios, tendo já ultrapassado os 150 mil, lotações perto de esgotadas em todos os jogos, ou a construção de um pavilhão para as modalidades e responder, assim, ao seu espírito de formação desportiva nacional), essa mesma rapidez, hoje, acaba por ter um efeito perverso nas esperanças dos adeptos face à realidade em que o clube ainda se encontra. Não queremos dizer, com isto, que o Sporting deve pôr de lado o seu desejo de vencer (os clubes grandes não vivem assim). Mas se antes se viu uma enorme recuperação, hoje, já sofremos com a desvirtuação daquela que é uma das principais questões de toda e qualquer liderança política ou desportiva e da sua relação com quem a apoia: a gestão das expectativas. E perante a evidência do falhanço estratégico da época que agora termina, os sportinguistas sentem que foram iludidos perante aquilo que viveram na época passada.
1.
Nunca ninguém poderá criticar a aposta desportiva em Jorge Jesus e o sentido de oportunidade que o presidente revelou em contratá-lo. Mas tornou-se evidente que a pressa de vencer (e que quase nos deu um título no primeiro ano do treinador), já nos mostra, num prazo temporal mais alargado, as carências estruturais de um clube que deseja manter uma regularidade de vitórias. Curiosamente, carências que também impediram o Sporting (na altura, talvez mais graves ainda) de manter uma regularidade de campeonatos depois de conquistar, no início do milénio, dois em três anos, algo que veio de um momentum anual e não de uma estratégia a médio-longo prazo. Hoje, numa altura em que o futebol está cada vez mais profissionalizado (e em que o sucesso desportivo passa, também, por uma cultura de comunicação, de prospecção, de marcas e de gestão), será necessário ao presidente rodear-se de pessoas cada vez mais profissionais, perspicazes, e exigentes para tomar decisões cada vez menos isoladamente. E se muito se discutiu, no momento da contratação de Jorge Jesus, se o sucesso do Sport Lisboa e Benfica se devia, em primeiro lugar, ao treinador ou à estrutura profissional que o rodeava, hoje já sabemos a resposta: nenhum dos dois venceria sozinho, mas era esta última que dava todas as condições, ao primeiro, para conseguir vencer com regularidade, algo que ainda está por provar na experiência e nas condições actuais do Sporting.
2.
Se as grandes decisões do clube, na transição para a época seguinte, terão de recair a nível da estrutura, é necessária uma comunicação, em todos os departamentos do clube, que se baseie exclusivamente numa cultura e identidade sportinguista sem dependências e colagens a outros. Uma das grandes razões para o insucesso do Sporting nas últimas décadas deve-se, também, à resposta que o clube deu ao sucesso que outros tinham. Ou seja, decisões desportivas e estruturais que vieram em resposta a decisões dos rivais e não na sequência de uma crítica interna, e permanente, ao sucesso interno do Sporting (ou à falta dele). O sucesso de um clube passa, em primeiro lugar, por olhar para dentro e ver aquilo que tem de mais fraco e aquilo que tem de mais forte. Só assim poderá resolver com eficiência, estrutura, e regularidade o que tem de pior para apostar naquilo que tem de melhor (e assim crescer). E perante o sucesso do seu maior rival, o Sporting já não pode responder como fez nas últimas décadas: com um pânico estrutural, e uma obsessão pelos outros, que leve o clube repetidamente ao conflito interno ou à beira da auto-destruição.
3.
Por fim, se a análise da direcção quanto ao desenvolvimento técnico da equipa, nas mãos de Jorge Jesus, terá também de passar por questões estruturais (construindo uma equipa e uma cultura de comunicação que favoreça o seu sucesso), o Sporting terá também de apostar na vantagem que tem em relação a todos os seus adversários: a formação de jogadores. A (talvez) última frustração dos sportinguistas prende-se, precisamente, com este último ponto: não só a mais-valia técnica do seu treinador não se fez sentir este ano, mas as suas decisões técnicas, do início até ao fim da temporada, vão contra a grande vantagem e matriz do clube. Se Jorge Jesus lançou Gelson Martins e Rúben Semedo (nenhum treinador no mundo não apostaria, em todos os jogos, no primeiro a titular), vimos o clube lançar inúmeros e careiros falhanços, sem influência no futuro do clube a não ser o prejuízo financeiro, em vez de jogadores como Daniel Podence (que joga a titular em caso de lesão), Francisco Geraldes, Matheus Pereira, Iuri Medeiros, Ryan Gauld ou Ricardo Esgaio. Apesar da ausência de títulos, o Sporting foi sempre o principal formador de talento do futebol português e o grande responsável pela formação da selecção nacional que conseguiu o primeiro título, a nível sénior, na sua história. Esse sucesso desportivo e humano passa por formar, e para formar talento, é preciso que ele jogue (com todas as suas imperfeições). Se, com o campeonato já resolvido, e com vários jogadores sem motivação (outro motivo de discussão), o treinador acredita que este ainda não é o momento para lhes dar espaço, resta saber quando e se esse quando passará pelo Sporting (ou pela selecção nacional).
4.
A nova época, com ou sem Jorge Jesus (o Verão futebolístico é longo e dado a paixões da estação), irá começar, mais uma vez, de maneira ingrata para o clube. A tremenda alegria de vencer o Campeonato da Europa trouxe fadiga e férias atrasadas aos principais jogadores do clube e ao nosso meio-campo (o principal motor do jogo). Com uma (seguramente muito difícil) pré-eliminatória da Champions a antecipar a época desportiva e uma Taça das Confederações, com a selecção, a acontecer pelo meio, o Sporting arrisca-se a mais um início de época atribulado e a uma afinação atrasada das várias peças do seu jogo. O clube e a estrutura, mais uma vez, deverão estar à altura de uma gestão exigida a uma equipa grande. E colocar o pé no acelerador sem ter todas as peças afinadas poderá provocar novos acidentes de percurso. Resta saber se os sportinguistas terão paciência para sofrer outras voltas de avanço e, também, para entender as suas razões, pois nem sempre a direcção tem sabido transmiti-lo ou apostar nesse discurso. Uma coisa é certa: lá estaremos para a viagem, e para apoiar o Sporting, com lealdade, visão e inteligência.