segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Unir o Sporting (e torná-lo profissional)


Parece haver um sentimento bastante comum entre os sportinguistas, nestas eleições, de não olhar para nenhuma candidatura como o projecto que irá descansá-los de todas as suas preocupações. Num dos momentos de maior desunião da nossa história, acaba por não ser uma grande surpresa, por isso, ver um número tão elevado de candidatos. Por um lado, se os projectos e as estruturas são muito importantes, é preciso ter em conta, por outro, uma das maiores verdades da performance desportiva: não há vitórias sem união de grupo, e a ausência de um palmarés, no futebol profissional, à altura da dimensão do Sporting também se explica pela turbulência e as intrigas permanentes de um clube que poucas vezes pensou nele próprio e muitas mais nas figuras e nos interesses pessoais que viviam nele. Divisões e gestos que, na catástrofe que se viveu recentemente, conseguem facilmente apagar os melhores momentos de uma direcção que começou a trabalhar para a sobrevivência de um clube e que acabou a trabalhar para a sobrevivência do seu dirigente máximo, ficando para a história como a primeira a ser destituída em mais de cem anos de existência.

De todas as candidaturas, duas delas têm projectos que parecem apontar para uma profissionalização da estrutura do Sporting na realidade desportiva do séc. XXI: a de Frederico Varandas ("Unir o Sporting") e João Benedito ("Raça e Futuro"). Num mundo ideal, uma candidatura única que reunisse estes dois projectos, que partilham alguns pontos em comum, seria, seguramente, aquilo de que o clube precisaria para conseguir essa união tão necessária ao sucesso -- suficientemente agregadora, portanto, para chamar a maioria dos sócios e poder juntar, à sua volta, ainda outras candidaturas. Alguns pontos são praticamente idênticos, como a criação de uma unidade de "performance" e de apoio ao atleta e a identificação de lacunas na mentalidade competitiva e de adesão ao clube por parte dos atletas da formação,  tal como o entendimento que a estabilidade financeira do clube só vem com o sucesso desportivo. Existem, no entanto, diferenças fundamentais que impedem que elas se juntem numa só: o tipo de estrutura pensada para o clube e a preparação dos seus elementos para a gestão desportiva.

Frederico Varandas, por conhecer a realidade do clube por dentro, opta por manter uma estrutura muito semelhante àquela que tem existido no Sporting: um regime mais "presidencialista", com intervenção directa no futebol, identificando as lacunas da estrutura na performance, filosofia de formação e método de captação de jogadores, corrigindo-as de acordo com a experiência adquirida em sete anos de direcção clínica no Sporting. Fruto da sua demissão depois de terminada a época desportiva, e, sobretudo, ainda antes das rescisões no plantel, o anúncio da sua candidatura acaba por ficar associado a um momento de enorme ruptura no Sporting. Independentemente da sua vontade em mudar o clube (e vemo-lo como um acto genuíno, contra quaisquer outras teorias), anunciar a sua candidatura em associação directa à demissão do departamento clínico, e numa altura em que ainda não estavam marcadas eleições, não terá sido, reconheçamo-lo, a forma ou o momento mais indicado perante a situação que o clube vivia (talvez o momento possível, no seu ponto de vista, mas não o ideal perante um grupo de trabalho que se viria a desmoronar). A sua candidatura, fruto das subsequentes rescisões, veio a suscitar, por isso, maior desunião do que união dentro do universo sportinguista (e não necessariamente por quem votou contra a destituição da anterior direcção), deixando dúvidas quanto aos sentimentos que o clube poderá reviver (com uma vitória que será sempre minoritária para qualquer candidato) em caso de maiores dificuldades.

Paradoxalmente, é o projecto de Frederico Varandas que acaba por oferecer uma maior continuidade em relação ao funcionamento actual do clube e da sua estrutura, apesar de não vir a recolher os votos dos sócios indefectíveis do último presidente. Trata-se, por isso, de uma candidatura que procura "remendar" o que está mal, a partir do conhecimento vivido no departamento de futebol, com ideias positivas no sentido de aproximá-lo da maneira como os rivais do Sporting já trabalham há vários anos. Se isso chega para fazer dele um bom presidente do Sporting, e apesar de apresentar boas ideias, já é uma questão que, durante a campanha, não ficou totalmente esclarecida pelo próprio, ficando claro que a sua candidatura não soube pacificar as dúvidas quanto às suas capacidades de agregação (de poder responder, portanto, ao seu lema), do próprio corresponder à exigência multifacetada do cargo de presidente e, da mesma maneira, da experiência ou competência de alguns membros da sua lista, independentemente do seu sportinguismo, no trabalho específico da gestão desportiva (tendo mesmo uma demissão na sua lista para o Conselho Directivo, devido a ameaças de violência, acabado por confirmar algumas dessas dúvidas e levantar, inclusivamente, indesejáveis fantasmas ou indesejáveis associações dentro da estrutura de decisão), nunca tendo sido capaz de se libertar, por essa razão, de um discurso ensaiado (por aquilo que será uma agência de comunicação) em vez de partir do foco que seria naturalmente suscitado pelo seu projecto.

Apesar de se focar, também, na performance desportiva como factor determinante para o sucesso global do clube, colocando o que acontece dentro das quatro linhas como o centro de gravidade de toda a gestão, João Benedito traz, com a sua equipa, um projecto assente numa outra filosofia: uma estrutura diferente daquela que existiu no clube nos últimos anos (e que existe agora) e que assenta na experiência de competição e na cultura de vitória de ex-atletas do universo Sporting que ganharam, entretanto, experiência profissional nas áreas de intervenção às quais se propõem candidatar. Em vez de recebermos pessoas de fora para dentro do clube (como tem sido apanágio, e como Varandas repete-o pelo menos em parte no seu projecto), esta é uma candidatura que, pelo contrário, recupera as pessoas que "nasceram" dentro dele para devolverem aquilo que o clube lhes deu: uma cultura desportiva e de gestão que aponta exclusivamente para a conquista de títulos. Se todos os candidatos se apresentam publicamente com esta mentalidade, a candidatura de João Benedito é a única que consegue trazê-la para dentro do clube por tê-la efectivamente vivido na gestão desportiva. Curiosamente, é uma candidatura compreensivelmente descrita como portadora do "ADN do clube" (recordando o exemplo fundador de Francisco Stromp, numa realidade desportiva diferente) apesar deste tipo de gestores (que conhecem e viveram, de facto, a performance e gestão desportiva) nunca ter vingado nas décadas recentes da estrutura do Sporting (um afastamento em trabalho e filosofia que poderá explicar, nem que seja por mera sugestão, a dificuldade em encontrarmos capitães e referências fortes dentro dos grupos de trabalho do Sporting, nomeadamente no futebol).

Se a intenção de profissionalização da estrutura é também um ponto assente da sua candidatura, João Benedito monta uma estrutura mais alargada para o funcionamento do clube. Apesar da importância e intervenção da figura do presidente, terá um vice-presidente exclusivamente para a área do futebol (Carlos Pereira, ex-atleta e treinador da casa que conhece o futebol português e a formação do Sporting) -- um cargo ausente na estrutura de Varandas --, ficando André Cruz mais próximo do balneário e dos jogadores. Por outro lado, Benedito traz ainda a figura de um CEO (chief executive officer), algo envolto em algum mistério, devido à impossibilidade de divulgar o seu nome, e que traz sempre alguns fantasmas de má-gestão na nossa história (devido à importação de agentes do sector bancário para o clube que foram gerindo o Sporting nas últimas décadas...). No entanto, esta decisão responde à necessidade de profissionalização empresarial e do sector corporate do clube, uma área onde os números e a estratégia de gestão estão a milhas dos nossos rivais, respondendo, por isso, a uma necessidade imperativa das estruturas dos grandes clubes desportivos no séc. XXI (não ficando essa necessidade estratégica apenas a cargo de um CFO -- chief financial officer -- como era Carlos Vieira, na direcção anterior, ou como existe na estrutura de Frederico Varandas: um "homem das finanças", logo, com menor visão estratégica em termos de gestão empresarial e desportiva). 

Se a consciência de que o Sporting não é ainda um clube totalmente profissional na sua gestão desportiva e empresarial, a candidatura de João Benedito parece responder de forma mais alargada a esta ideia, preferindo um modelo menos "presidencialista" (ou menos assente na personalidade de um presidente) e, por isso, mais estruturado a uma ideia de longo prazo, não dependendo inteiramente de personalidades e feitios, apesar de uma mentalidade bem vincada, e mais adequada, portanto, à execução de uma estratégia de gestão. Ao mesmo tempo, parece oferecer uma ruptura naquilo que tem sido a história do Sporting, que se tem pautado pela importação, para as suas listas, de pessoas de inegável sportinguismo, vindas de outras áreas da sociedade, mas que trazem desconhecimento quanto à realidade concreta da gestão desportiva. No conceito de Benedito, foi a própria experiência desportiva, dentro das várias áreas de competição do Sporting, que acabou por dar a formação necessária para a gestão executiva de um clube, complementada por uma experiência académica e profissional dos membros da sua equipa dentro e fora do Sporting. É um diagnóstico, a nosso ver, perfeitamente justo quanto aos resultados das sucessivas gestões danosas que o Sporting tem sofrido, e o primeiro a respirar, de forma mais veemente, aquilo que o Sporting acaba por contribuir para o próprio país. A consciência de que a área desportiva precisa de ser profissionalizada é complementada, em paralelo, com o crescimento da sua área empresarial pela presença de um administrador (CEO) que executa uma estratégia de gestão de maneira transversal às áreas não-desportivas, sendo a única candidatura que parece ter essa visão, no seu programa, para cimentar a sua presença no futebol dos grandes clubes (os que jogam na Champions League) e permitir, inclusivamente, que futuras administrações possam dar continuidade ao trabalho de gestão da equipa que vierem a substituir, tal como em qualquer grande empresa. 

Por fim, importa evocar questões de comunicação que foram reproduzidas nas intervenções dos candidatos nas suas aparições públicas, em debates e entrevistas, e nas suas presenças em sessões de esclarecimento nos núcleos. Se a candidatura de João Benedito foi a primeira (ou mesmo a única) a respeitar, e comunicando-o publicamente de forma clara, os interesses de comunicação do Sporting (não comparecendo em debates em canais de televisão -- e sensacionalistas, diga-se, que de muito se alimentaram dos acontecimentos de Alcochete para fazer subir as suas audiências -- antes de comparecer nos debates da Sporting TV), o candidato não assentou a comunicação do seu programa em soundbytes ou frases feitas, expondo-a, por outro lado, a partir da implementação das suas ideias, da sua filosofia, e do método de trabalho concreto de uma equipa unida, parecendo-nos claro, também, que essa mesma comunicação irá espelhar o espírito de execução que pretendem trazer para dentro do clube (não podendo o mesmo dizer-se da candidatura de Frederico Varandas, que não reproduz o mesmo foco nem um pensamento tão desenvolvido e estruturado nas suas comunicações). 

Ao ter presenciado sessões de esclarecimento dos dois candidatos num mesmo núcleo do Sporting, a disponibilidade de comunicação quanto à realidade de todas as áreas do clube e os seus projectos para estas últimas, a profundidade do seu conhecimento e detalhe, o foco e estrutura do discurso e a experiência prática da sua equipa na gestão desportiva deram a entender, de maneira extraordinariamente clara, que, ao contrário do que julgava no início da campanha, não é o candidato Frederico Varandas ou a sua equipa que têm melhor conhecimento sobre a realidade de trabalho do Sporting (e os conceitos de gestão desportiva) nem as propostas mais realistas e concretas para o clube mas sim o candidato João Benedito, o seu plano e a sua equipa (num brevíssimo apontamento, e que serve de mera ilustração, não basta o candidato Frederico Varandas dizer, em resposta aos seus planos para as modalidades, "continuar a vencer", antes de passar para outras questões, e, para estas últimas, "porque quero vencer", antes de ser vigorosamente aplaudido pela sua própria equipa, em vez de expor um método de trabalho com conhecimento de causa sobre as áreas em questão e os planos concretos que existem para cumprir determinados objectivos dentro delas, tal como não existir disponibilidade para uma apresentação oral completa e transversal do seu projecto, ao contrário do que sucedeu na sessão de esclarecimento com o candidato João Benedito, antes de lhe ser feita qualquer pergunta).  

Por todas estas razões, a candidatura "Raça e Futuro" (duas palavras que nos parecem falar para o que se procura tanto dentro do campo, a nível desportivo, como fora dele, a nível de gestão) é aquela que parece ter mais capacidades para, efectivamente, "unir o Sporting", pacificar o clube pelos seus interesses (e não pelas suas personalidades) e, sobretudo, conseguir governá-lo com uma estratégia de gestão desportiva que se encontra, olhando para as duas equipas, nas mãos de quem efectivamente a experienciou e deseja continuar a trabalhar nela ao longo da sua vida, mostrando uma ideia de desenvolvimento desportivo e estrutural com um conhecimento de causa verdadeiro e realista em todas as áreas do clube. Depositarei, por isso, os meus nove votos na lista A, candidatura de João Benedito, nas eleições do próximo dia 8 de Setembro.