segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Thank u, next


Primeiro jogo oficial da época 2019/20 e o resultado mais avultado, no derby, desde os 7-1, em Alvalade, de 1986. Cinco golos sem resposta, para o Benfica, e o sétimo jogo consecutivo do Sporting sem ganhar desde o início da pré-época. Marcel Keizer começa com aquilo que não teve na temporada anterior -- um tempo de preparação com um grupo de trabalho escolhido por si -- e a equipa revela ainda menor capacidade em desenvolver um futebol com princípio, meio, e fim. Assustadora é a falta de capacidade, também, em resolver o grande problema que a equipa mostrava sob a sua alçada: uma dificuldade gritante no processo defensivo e uma enorme ausência de rotinas colectivas sem bola. Contra uma equipa de transições ofensivas letais, como é o Benfica de Lage, cada jogada do adversário é um potencial cheque-mate, vendo-se o Sporting a abrir espaços e crateras constantes, com avançados (Dost) e médios (Wendel) ora sem instruções ora sem cultura táctica defensiva, à frente de um conjunto de defesas que revelam enormes dificuldades de coordenação (perante o pânico, também, de ver meia-equipa adversária passear na sua grande área). O resultado, para quem acompanhou o futebol do Sporting na época anterior e nas últimas semanas (e já é a segunda goleada que Keizer sofre contra Lage), não é, por isso, completamente surpreendente. Por isso, Presidente, sim, estamos (muito) preocupados.

Keizer terá sido contratado, também, para seguir uma lógica de investimento mais próxima daquela que é (ou era) a matriz do clube: a formação de jovens talentos. Desde a sua chegada, o treinador holandês tem alimentado, também, preocupações compreensíveis por vermos as participações desses jogadores resumirem-se a escassos minutos nas fases finais de cada partida. Na presente pré-temporada, esses atletas, ao contrário de uma integração progressiva dentro de um onze consolidado, têm sido lançados em bloco para jogar, simultaneamente, os últimos dez minutos (se não menos) de cada jogo, dificultando a sua integração nas rotinas colectivas. Desde que abdicou da (melhor) identidade do seu jogo, com os primeiros desaires na época anterior, Keizer preferiu abdicar do elemento de risco no seu futebol para revelar uma faceta resultadista sem ter as melhores ferramentas, no entanto, para consegui-lo (apesar de ter oferecido, com isso, duas taças ao clube, vencidas nos penáltis, e depois de uma vitória, frente ao Benfica, que se revelou um excepcional momento de superação anímica liderado pelo talento individual de um enorme jogador). Com o decorrer da pré-época, o treinador holandês pareceu revelar que esse traço, afinal, não foi apenas circunstancial, mostrando ainda grandes dificuldades em responder a um futebol mais exigente, em termos tácticos e colectivos (sobretudo defensivos), do que aquele que conhecia no campeonato holandês.

Num clube onde cada derrota (sobretudo no presente) é um convite a gritos revolucionários, é da mais elementar necessidade que a actual administração reflicta sobre aquilo que se vê em campo e que não confunda a importância da estabilidade com uma teimosia contraproducente que, com o tempo, poderá revelar-se perigosa. O futebol não só é demasiadamente pobre, para as ambições do Sporting e as opções que existem no plantel (mesmo que inferiores às dos rivais), como a gestão dos seus jovens talentos, por parte do treinador (mesmo que a estrutura de formação e prospecção tenha sofrido mudanças importantes), revela-se difícil de entender (se Matheus Pereira, o melhor extremo do clube, parece ser "uma questão para a administração", como Keizer respondeu em conferência de imprensa, é difícil entender a ausência de minutos de talentos como Daniel Bragança e Gonzalo Plata ou o desaparecimento, ainda, de Miguel Luís, jogador cuja evolução positiva se viu subitamente interrompida). A identidade um clube vencedor é feita, também, com uma dose inteligente de risco: o factor decisivo que, no meio de uma estrutura organizada e de um colectivo eficiente, diferencia os campeões dos vice-campeões (e outros).

De que treinador precisa o Sporting? Um técnico com capacidades suficientes para colocar a equipa a jogar em todos os momentos do jogo (e não apenas um), que conheça o futebol português, que aposte nos jogadores vindos da formação com uma integração positiva (e não apenas utilitária) e que -- algo que um clube desunido agradeceria -- sinta a importância e uma proximidade com o símbolo que leva ao peito. Existe um treinador, justamente, que cumpre esses requisitos e que orienta um clube sem nome e sem símbolo para um estádio vazio na zona de Lisboa. Até à saída de Marcel Keizer, esperemos que nenhuma administração, a Norte ou a Sul do país, acabe por contratá-lo para solucionar os problemas do seu próprio projecto.